10.8.09

doces


imagem olhares.com

Aguardava a minha vez de ser atendida numa pastelaria da cidade, que tem uns bolos deliciosos. Cheios de cremes e mais cremes, realmente deliciosos. À minha frente uma rapariga dos seus vinte e poucos anos, metida numas calças que pareciam ser um número abaixo do seu, que segurava impaciente numa mão um molho de chaves e o telemóvel na outra. A rapariga fazia perguntas insistentes ao empregado, pois não sabia qual bolo levar. Até que deixando surpreso o empregado e as pessoas que estavam na fila, ela agradeceu e saiu.

Todos os dias fazemos escolhas. Lembro-me que durante muito tempo eu fazia escolhas sem sequer me dar conta disso. Optava por um caminho em vez de outro para voltar a casa, não escolhia as entrevistas de emprego a que me submetia, não escolhia os amigos que me respeitam, que relações levar adiante e a atitude mais sensata a tomar nas situações quotidianas.

A verdade é que mesmo a pessoa mais calculista não escapa a uma escolha errada. A medida desse errado é claro as consequências dessa escolha. Houve alturas em que pensei que escolher tirava a espontaneidade da vida.

Voltando à rapariga, esta tinha duas hipóteses: ter pedido um bolo de chocolate com recheio de natas e nozes, provavelmente o seu desejo imediato ou parar um segundo e reflectir sobre o mal que este lhe faria a longo prazo.

No primeiro impulso ela pensou que era apenas mais um doce, que não estaria a caminhar para um processo de autodestruição irrevogável, que tal nunca aconteceria com ela, que o mundo não é feito para os disciplinados.

Num atitude sensata, acompanhada de uma fuga, ela pensou que depois de passada a vontade, teria feito a escolha certa.

O que resta é a amarga frustração de não ter comido o bolo de chocolate. Não é uma questão de poder, de engordar, é muito mais do que isso: é sentir. É preciso olharmos atentamente, antes do momento da escolha, é preciso sentir e o sentir vem bem antes do acto de optar.

A rapariga não superou a tentação. Acho que ela conseguiu fugir dela, ainda que momentaneamente. Ele vai continuar obcecada em fazer escolhas que julga serem as correctas, vai continuar a não ver os seus impulsos, ligados a sentimentos mais profundos do que a banalidade de dizer sim ou não a um bolo de chocolate.

Provavelmente um dia coordenará melhor o sentir e pensar e tornar-se-á mais confiante. Entrará na pastelaria, pedirá um bolo com recheio de natas e nozes, conhecendo o prazer e as consequências de saborear uma óptima fatia de bolo.

A rapariga sou eu e é óbvio que eu não estou a falar de doces.