4.10.04

"Desilusão disfarçada"

Procurei na caixa e vi que lá no fundo havia um monte de coisas intactas. Que eu não deitei fora, não reciclei, não fiz absolutamente nada. Pequenos pedaços da minha própria história. Retalhos de sonhos que nunca realizei. Estive a arrumar outras caixas neste tempo de mudança, incerteza e deparei-me com objectos antigos. Eu vi o meu sorriso reflectido no espelho. A minha alegria de um dia vir a ser o que sempre quis. E pensei no que diria se algum dia alguém me perguntasse o que fiz da minha vida. Não o que fiz nela, mas o que fiz com ela. E eu vou dizer que deixei que ela me levasse. E abandonei no fundo da caixa os sonhos que um dia achei altos demais para mim. Reeditei-a na minha memória. Não é isso que vou responder à pessoa que me fizer essa pergunta. Eu vou dizer que um dia percebi que estava a mexer pouco na tal caixa. Que estava a mudar superficialmente. E quando resolvi meter a mão no fundo percebi que os meus sonhos permaneciam lá, intactos. Cheios de pó, esquecidos pelo tempo.Então dei-me conta de que quando entrei para a faculdade queria ser professora de Filosofia e não Jornalista. E dei-me conta de que sempre quis ajudar as pessoas - e não estou a fazer absolutamente nada nesse sentido. Olhei para o fundo da caixa e vi-me lá, cheia de ideais e objectivos imensos, que nunca realizei.Que esqueci, amontoados por baixo de muitas coisas que o tempo me iludiu fazendo-me achar que eram mais importantes. Olhei para trás e vi beijos e mãos dadas na praia.Vi caminhos de areia e lugares. Vi rituais e paisagens. Vi viagens e pessoas e templos sagrados. E então perguntei-me, finalmente, o que eu fiz com tudo isto.